O anúncio do fechamento de fábricas nos últimos dois meses levantou discussões sobre a viabilidade de se incentivar o setor automotivo no Brasil e teses de que este segmento industrial seria um dos “mais protegidos” do País, sem gerar contrapartidas à sociedade. Porém, estudo apresentado pela Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), com base em dados oficiais, revela justamente o contrário.
“Somos exageradamente tributados, pouco incentivados e geramos retornos espetaculares ao País sob todos os ângulos de análise”, afirmou o presidente da entidade, Luiz Carlos Moraes, durante coletiva de imprensa.
Enquanto a desoneração fiscal sobre arrecadação tributária de todos os setores econômicos foi de 18% na última década, para o setor automotivo foi de 8%. Com isso, o segmento apresentou a melhor relação entre todos os setores da economia.
Entre 2011 e 2017, últimos dados divulgados pela Receita Federal, o setor automotivo jamais representou mais do que 2% de toda a desoneração fiscal realizada pelo governo.
Por desoneração entende-se a redução dos impostos por conta de políticas setoriais ou regionais de estímulo à industrialização ou a investimentos em produto e desenvolvimento (P&D).
“É importante frisar que o governo não tira dinheiro do bolso ou dos contribuintes para doar a indústrias. Ele abre mão de parte da arrecadação de impostos para compensar algumas deficiências estruturais e também para estimular regiões ou desenvolvimentos tecnológicos. Na prática, a desoneração beneficia os consumidores na forma de preços mais baixos e de produtos mais avançados, seguros, eficientes e menos poluentes”, explicou Moraes.
“Em certa medida, isso serve para restituir a alta carga tributária de 44% sobre o preço do automóvel, o dobro do praticado na maioria dos países da Europa e mais que isso para casos como Japão e EUA”, comparou.
Contrapartidas à sociedade
Um dos exemplos de contrapartida apresentados no estudo da Anfavea se refere ao investimento feito no programa Inovar-Auto (2013 a 2017), que melhorou a eficiência energética (economia) de todos os motores de veículos nacionais. Na prática, a desoneração tributária de R$ 6,8 bilhões no período de cinco anos resultou em uma economia de R$ 35 bilhões em combustíveis aos donos desses novos veículos e ainda a redução das emissões de CO2 em 2 milhões de toneladas por ano.
Além disso, a elevação do padrão tecnológico nesse período proporcionou aumento de competitividade internacional, acesso a novos mercados e contribuiu para elevar as exportações de 443 mil (2012) para 766 mil unidades (2017).
Políticas industriais como o Inovar-Auto e o Rota 2030, iniciado em 2019, condicionam a desoneração fiscal a investimentos em P&D, o que tem colocado a indústria automotiva na segunda posição dos setores que mais investem em projetos tecnológicos no País e na liderança dos que utilizam mais empregados nesses desenvolvimentos, todos altamente especializados e bem remunerados. Desde 2015, o Brasil passou a figurar no ranking dos 10 países que mais investem em P&D automotivo.
“O fato é que se criou uma falsa imagem de que o setor automotivo é muito privilegiado. E é justamente o contrário. Somos tributados absurdamente, de forma que as desonerações pouco melhoram a nossa competitividade. Apesar de todos os entraves e do Custo Brasil, entregamos produtos cada vez mais modernos e eficientes, geramos empregos de qualidade em larga escala (oito indiretos para cada direto, segundo o BNDES), geramos arrecadação e divisas nas exportações, geramos renda e PIB e ainda investimos muito em tecnologias, algumas delas estratégicas para o País e que proporcionam cursos superiores e técnicos importantíssimos para nossa inserção global”, enumera o presidente da Anfavea.
Números de janeiro: pouco a comemorar
A Anfavea também divulgou os números da indústria automotiva em janeiro. O licenciamento total de 171,1 mil autoveículos representou desempenho negativo. A queda foi de 11,5% em relação a janeiro de 2020 e de 29,8% na comparação com dezembro.
Em janeiro, foram comercializados 162,5 mil veículos leves, 12% menos que janeiro de 2020. Desses, foram emplacados 130,8 mil automóveis, redução de 15,4%, e 31,7 mil comerciais leves, aumento de 5,6%.
Já a produção de 199,7 mil unidades cresceu 4,2% sobre janeiro de 2020, mas recuou 4,6% em relação a dezembro.
Em janeiro de 2021 foram fabricados 189,7 mil veículos leves, aumento de 3,6% sobre janeiro de 2020. Desses, foram produzidos 157,2 mil automóveis, queda de 3,1%, e 32,4 mil comerciais leves, aumento de 56,2% na comparação com o mesmo período.
Luiz Carlos Moraes destacou que ainda há fatores preocupantes no horizonte, como a falta de alguns insumos (em especial semicondutores), o baixo estoque de veículos e o agravamento da pandemia, que prejudica atividades industriais e comerciais em algumas regiões.